Personal impedida de usar banheiro feminino já foi ameaçada de morte e humilhada na igreja por ser confundida com trans: 'Puxaram arma para mim'
29/05/2025
(Foto: Reprodução) Fisiculturista Kely da Silva Moraes, de 45 anos, foi mãe aos 19 anos e começou a fazer musculação após depressão pós-parto. 'Salvou minha vida', disse ao g1. Personal trainer Kely Moraes foi agredida verbalmente ao ser confundida com mulher trans em academia no Recife
Reprodução/Instagram
Confundida com uma mulher trans, a personal trainer Kely da Silva Moraes, de 45 anos, ainda se recupera do trauma que sofreu quando foi impedida por um casal de usar o banheiro feminino numa academia da Selfit em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife (veja vídeo mais abaixo).
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Em entrevista ao g1, ela contou que, mesmo sendo mulher cisgênero, já foi vítima de transfobia e hostilizada outras vezes, inclusive com ameaças de morte.
"Não consegui sair para trabalhar. Botei a roupa, mas, quando foi para sair de casa, não consegui, fiquei com medo. Já tive síndrome do pânico, olho para minha farda e fico tremendo. Não sei. Hoje o que vai me salvar de novo é voltar a treinar. E eu tenho que passar por cima disso", afirmou, falando sobre a violência que sofreu na segunda-feira (26).
Personal trainer é xingada e impedida de entrar em banheiro ao ser confundida com trans
Uma das ocasiões em que foi hostilizada aconteceu num carnaval há quase 30 anos. Foi no desfile do Cabeça de Touro, tradicional bloco do bairro do Engenho do Meio, na Zona Oeste da capital pernambucana. Enquanto seguia um trio elétrico, um homem se aproximou e puxou o cabelo dela "do nada".
"Sou muito reativa, é uma defesa minha. Sei que não é certo, mas, se você mostrar fraqueza, eles batem em você de verdade. 'Peitei', e ele puxou a arma para mim. Saí por dentro da multidão. [...] Quando terminou o bloco, fui à parada de ônibus. Ele estava num bar e, no caminho que passei, passava por esse bar. [...] Quando estava na parada, ele chegou com a arma, 'botou' no meu rosto e disse: 'você é muito afoita. Se quisesse lhe matar agora, ninguém ia ver'. E foi embora", relatou.
Mãe de uma jovem de 26 anos e avó de um menino de 7, Kely é fisiculturista e começou na musculação após ter depressão pós-parto, com apenas 19 anos.
Mulher negra e periférica, ela contou que, desde então, passou a lidar cada vez mais com os olhares tortos e o assédio de pessoas que não sabiam ou deduziam de forma equivocada o sexo biológico e a identidade de gênero dela.
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Em uma dessas ocasiões, Kely disse que foi agredida no rosto. A personal estava saindo de uma festa de pagode com uma amiga quando um homem apontou para ela.
"Perguntei a ele o que era. Ele veio se aproximando. Eu estava com medo, mas sem querer mostrar. Fiquei arrodeando a caixa [de cerveja]. E ele: 'que nada, frango safado! Tu merece apanhar'. Eu disse: 'Pois vem tu dar'. Minha amiga fez assim: 'Kely, pelo amor de Deus!'. Quando olhei para ela, ele deu a tapa. Ele também apontou uma arma para mim. Saímos correndo, eu e minha amiga [...]. Ele disse que não ia me matar, ia atirar no meu joelho e me deixar aleijada", disse.
Outra experiência traumática aconteceu há aproximadamente três anos, durante um evento na igreja evangélica que frequentava.
"Não sei se era pastor ou convidado, porque todos os convidados davam uma palavra. E ele estava lá. Tinha ganhado uma Bíblia de estudo, o que era um sonho meu. Até pensei em parar a faculdade de educação física e fazer teologia [...]. Eu lá, orando de cabeça baixa, e ele começa a falar, a dizer que eu era um homem, que eu estava travestida", afirmou Kely.
Segundo a personal, vários participantes da cerimônia a conheciam havia muitos anos e ninguém a defendeu. A partir daí, se afastou da igreja.
"Ninguém se levantou para dizer: 'você está errado'. Ninguém. Fui humilhada [...] Vim para casa, passei uma semana. Não fui para a faculdade, não fui para a igreja, não conseguia nem comer", recordou.
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Depressão e fisiculturismo
Criada entre o Engenho do Meio e a comunidade de Roda de Fogo, onde mora até hoje, Kely disse que foi salva da depressão pelo fisiculturismo. Após passar anos trabalhando como cabeleireira e dando aulas de dança aeróbica, a personal se formou em educação física numa faculdade particular em 2022.
"Tive minha filha aos 19 anos e, logo após o nascimento dela, entrei nesse mundo de academia. Fiquei muito magra, tive depressão pós-parto. Meu sonho sempre era ganhar corpo. Me apaixonei pela academia, sempre procurava estar junto dos professores", afirmou.
Aos poucos, foi se aperfeiçoando no esporte, chegando a treinar para participar de uma competição de fisiculturismo. Mas o campeonato foi cancelado por causa da pandemia de Covid-19.
"Vivi a vida de atleta. As vezes que tentei competir não deram certo por conta do financeiro, suplementos. O próprio biquíni é muito caro. Quando cheguei perto, foi antes da pandemia. Ia competir mesmo, ia subir no palco, estava com o físico preparado. E até pessoas de fora, que conhecem minha história, me ajudaram. Aí veio a pandemia", falou.
Depois de se formar em educação física, passou a trabalhar como personal trainer. Desde que foi agredida na Selfit, na noite da segunda-feira (26), Kely tem tido dificuldade para voltar a trabalhar.
"Quando aconteceu aquilo, só pensava no meu trabalho, que eu não podia me queimar ali, que as pessoas tinham que ver que não fui eu que estava discutindo com elas, foram elas que estavam discutindo comigo, para que não viesse a atrapalhar meu trabalho. Se eu perder isso, não sei mais o que fazer da minha vida. Não é questão de não saber outra profissão. É porque isso salvou minha vida", declarou Kely.
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